Neste ano de 2012, em que o Brasil receberá lideranças e cidadãos de todo o mundo para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o país está em vias de consolidar o maior retrocesso histórico em sua legislação e gestão ambiental, que comprometerá sua liderança e legitimidade para inspirar os demais países a avançar com a urgência e a responsabilidade que a realidade nos impõe.
A alteração do Código Florestal aprovada tanto pela Câmara como pelo Senado (PL 30/2011) compromete seriamente os princípios, objetivos e a estrutura de toda a legislação ambiental brasileira. Além dos sérios problemas que já vêm sendo denunciados por cientistas, ambientalistas, especialistas em legislação e organizações da sociedade civil – a exemplo da anistia e da redução da proteção em áreas de Reserva Legal e de Preservação Permanente –, queremos destacar que o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados e o substitutivo do Senado atingem diretamente os ecossistemas costeiros e estuarinos, notadamente os manguezais brasileiros, em toda zona costeira do país.
Fatos que nos preocupam e que merecem destaque:
* O texto aprovado no Senado propõe a consolidação de ocupações irregulares ocorridas até 2008 em parte dos manguezais (os chamados apicuns) em todo o país. Consolida ocupações urbanas em áreas de manguezal e permite novas ocupações em mais 35% dessas áreas em manguezais no bioma Mata Atlântica e 10% na Amazônia, com o argumento de permitir a carcinicultura (criação de camarões). Essa atividade já é responsável por enormes passivos socioambientais no Nordeste do País.
* Os manguezais, em toda sua extensão, são “berçários” para muitas espécies de peixes e crustáceos com importância ecológica, econômica e social. A sua defesa é uma reivindicação dos pescadores artesanais. Existem hoje mais de 500 mil pescadores no Brasil e, somados aos empregos indiretos, o setor abrange seguramente mais de 1 milhão de pessoas. Os manguezais são, portanto, uma fonte de proteína e de renda para um número significativo de brasileiros. Além disso, possuem grande valor em diferentes manifestações culturais e religiosas.
* Os benefícios diretos e indiretos gerados pelos manguezais ao homem – como a manutenção da qualidade e fertilidade das águas estuarinas e costeiras, a proteção contra a erosão costeira e eventos climáticos extremos e o sequestro de carbono – foram destacados pelo Comitê Nacional de Zonas Úmidas, composto por integrantes do governo federal, da comunidade científica e da sociedade, em pareceres e manifestações encaminhados ao Congresso Nacional e ao governo brasileiro. Entretanto, não foram considerados pelos parlamentares.
* Os manguezais são áreas de uso comum da população e essenciais para a qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Os compromissos assumidos pelo Brasil nas convenções da ONU sobre Mudanças Climáticas e sobre a de Diversidade Biológica, bem como a Lei da Mata Atlântica e a Agenda 21, reforçam a responsabilidade do Congresso, do governo federal, dos Estados, dos tomadores de decisão e da sociedade civil com as zonas úmidas e impõem o dever de defender e preservar essas áreas.
*A nova proposta do Código Florestal também prevê a redução de até 50% das Áreas de Preservação Permanente desmatadas em margens de rios com até 10 metros de largura. De acordo com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), esses rios menores correspondem a mais de 50% da rede hídrica do Brasil. Essa medida, principalmente nas bacias hidrográficas mais críticas (80% delas situadas na Mata Atlântica) acarretará graves problemas, como a escassez de água por causa do assoreamento, a contaminação por agrotóxicos e o comprometimento do equilíbrio ambiental dos estuários e manguezais.
Tendo em vista esses cinco pontos, nota-se que o texto em questão beneficia um único setor da economia, a carcinicultura. Porém, as experiências com a atividade na região Nordeste do Brasil revelam que ela não é sustentável do ponto de vista social e ambiental. Os impactos gerados pela carcinicultura incluem danos aos ecossistemas e prejuízos sociais. A modificação do fluxo das marés, a extinção de hábitats de numerosas espécies, o risco de introdução de uma espécie exótica de camarão, a disseminação de doenças entre crustáceos e a contaminação da água estão entre os impactos ambientais identificados. Além disso, com o estabelecimento das fazendas de camarão, as regiões afetadas sofreram com o desaparecimento de espécies nativas e a proibição de acesso às áreas de coleta de mariscos, resultando em conflitos de terra e empobrecimento das populações tradicionais.
A carcinicultura é, dessa forma, responsável pela degradação de mangues em centenas de quilômetros da costa brasileira, em prejuízo de comunidades locais, de colônias de pescadores artesanais, de catadores de caranguejo, marisqueiros e de outras populações tradicionais que dependem dos recursos naturais provenientes dos manguezais e regiões estuarinas e costeiras do Brasil.
Os dois textos para alterar o Código Florestal – da Câmara e do Senado – não são coerentes com o processo histórico do país, marcado por avanços na busca da consolidação do desenvolvimento sustentável, da democracia e da valorização socioambiental. Se aprovada qualquer uma dessas versões, agiremos em detrimento do nosso capital natural, das nossas populações e em favorecimento de um único setor econômico que financia uma minoria de parlamentares.
A comunidade científica brasileira tem alertado para os perigos das mudanças no Código Florestal e para o comprometimento dos processos ecológicos essenciais protegidos pela Constituição Federal (artigo 225). Também temos visto sucessivas manifestações de empresários de vanguarda, representantes da agricultura familiar, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da juventude, dos sindicatos, de juristas e de tantos outros segmentos da sociedade organizados no âmbito do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável.
Igualmente, não se pode desconsiderar a manifestação de mais de um 1,5 milhão de cidadãos brasileiros que assinaram petição contrária às mudanças do Código Florestal, que foi encaminhada à Presidência da República.
As instituições abaixo assinadas reforçam a importância da proteção integral dos manguezais brasileiros e das matas ciliares de todo país como condição para o desenvolvimento econômico responsável.
Este manifesto tem o objetivo demonstrar nosso inconformismo diante do apoio público do governo federal e do Ministério do Meio Ambiente aos evidentes retrocessos na legislação e na política ambiental do país promovidos pelo PL 30/2011, aprovado no Senado, em particular por seus impactos nos manguezais, estuários e na zona costeira brasileira.
Assinaturas – Campanha Mangue Faz a Diferença
Articulação das Entidades Representativas dos Extrativistas da Resex de Canavieiras – Bahia
Associação de Estudos Costeiros e Marinhos ECOMAR
Associação de Turismo do Peixe-boi
Associação Guajiru
Associação Mãe dos Extrativistas da Resex de Canavieiras – AMEX
Associação MarBrasil
Centro Escola Mangue
Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas
Costeiras e Marinhas - CONFREM;
Conservação Internacional - CI-Brasil
Ecosurfi
Fundação SOS Mata Atlântica
GAMBÁ – Grupo Ambientalista da Bahia
GERMEN - Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental
Greenpeace
Instituto Bioma Brasil
Instituto Biota de Conservação
Instituto do Conhecimento – ICON
Instituto Ecofaxina
Instituto Mamíferos Aquáticos
Instituto Mar Adentro
Mater Natura - Instituto de Estudos Ambientais
ONG Vila Toque de Taipa
Organização Sócio Ambientalista PRÓ-MAR
Projeto Amiga Tartaruga – Pat Ecosmar
Patrulha Ecológica - Escola da Vida
Rede Costeiro-Marinha e Hídrica do Brasil – REMA
Rede de Mulheres de Comunidades Extrativistas Pesqueiras do Sul da Bahia